Minha diarista chegou hoje com alterado estado de humor e relações pouco amistosas.
- Bom dia, doutor Plínio.
- Bom dia, Cleonice.
- Pra mim, hoje, o dia não vai ser nada bom, doutor.
- O que foi que te aconteceu, menina? Você ta com uma cara...
- Doutor, o problema não é na cara, é na cabeça.
- Como assim, está com dor de cabeça?
- Chifre, doutor... Daqueles pior que dor de dente.
- Caramba! Como foi que isso aconteceu?
- O desgraçado do Agenor arrumou outra.
- Parece grave, mesmo. Mas você tem certeza? Como soube que ele tem outra?
- Mentira tem pernas curtas, como senhor sabe...
- Muito curtas...
- Pois não é que o desinfeliz ta tão petulante que nem disfalça.
- Como assim?
- O senhor sabe que ele trabalha como jardineiro num condomínio de bacana.
- Sei.
- Esses condomínios são cheios de mulher largada...
- E ele se enrabichou por uma delas?
- A mulherada mesmo é que ataca: jardineiro, motorista, servente, motoboy...
- Fala sério.
- Doutor, meu Agenor é parrudo, tem jeitão, não é de se jogar fora.
- Mulher carente se arranja com qualquer vivente.
- Então... A filha duma égua ta botando o Agenor pra dentro de casa.
- E como você soube?
- Como lhe disse, ele nem disfalça mais. Todo mundo lá na vila viu ele chegando em casa no carrão da madame e ganhar beijinho na despedida.
- Ulalá!!!
- Na frente do meu portão, doutor... Cida, minha amiga, me contou tudo e disse que isso já rola há tempo.
- Ontem à noite fui pra cima dele e ele não negou nada. Disse que vai sair de casa e assumir a dondoca. Pode uma coisa dessas, doutor?!
- O que é que eu vou te dizer?...
- Hoje, quando saiu de casa, o confiado jogou as chaves pra dentro e nem tchau.
- Ele volta.
- Nem prá pegar a coisas dele, doutor. E se voltar não vai encontrar nada pra levar.
- Dá um tempo, Cleonice. As coisas se ajeitam.
- Nem pensar, doutor.
- Cleonice, não se desespere. Talvez isso tenha acontecido para o seu próprio bem.
- Não sei como, doutor.
- Presta atenção...